12 julho 2012

polícia bom/polícia mau ou como os desempregados deixam de contar paraas estatísticas

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Na semana passada, fui convocado pelo IEFP para uma sessão de reavaliação da minha situação de desemprego e, citando, “(…) eventual reajustamento do seu Plano Pessoal de Emprego.”. Numa primeira leitura, tudo indicava que me iria reunir com um técnico especializado que, após cuidadosa avaliação do CV e candidaturas enviadas, ajudaria a rever a minha abordagem para aumentar as hipóteses de reingresso no mercado de trabalho. Estando habituado aos malabarismos textuais do IEFP, sabia que esta hipótese era remota e que o mais provável era ser informado que, tal como tantos outros, iria ser reencaminhado para uma acção de formação, cumprindo assim as directivas do ministro da Economia e do Emprego, divulgadas em Junho na comunicação social.

A surpresa dissipou-se e as minhas suspeitas confirmaram-se: a convocatória não tinha como objectivo reajustar, mas sim informar que todas as pessoas desempregadas há mais de seis meses seriam integradas em acções de formação, com a “boa notícia” adicional que, agora, também os licenciados poderiam ser integrados no programa Vida Ativa (que, surpreendentemente, até à data não há informação disponível na página do IEFP). Poderia ser uma excelente notícia, não fosse o pequeno pormenor de que todos os desempregados inscritos em formação ficam com o respectivo processo suspenso e, como consequência, deixam de ser considerados nas estatísticas que visam divulgar o número/percentagem de desempregados. Ou seja, é uma faca de dois gumes: por um lado, os desempregados têm a possibilidade de beneficiar de formação gratuita, mas, por outro, distorcem-se os dados estatísticos para possamos aproveitar as férias de Verão, sem estarmos sempre a ser bombardeados com a dura realidade do país.

A medida, em si, não me espanta. Também não alimento a ilusão que os corredores dos Centros de Emprego são percorridos por pessoas dedicadas a ajudar o desempregado a reintegrar o mercado de trabalho - e, pelo que me foi dito na sessão, nem os órgãos directivos, que se preparam para acabar com a função dos conselheiros de orientação profissional. A sessão podia ter sido mais curta e menos interessante, não fosse pelas vozes descontentes que se fizeram ouvir (entre elas, a minha) perante o que estava a ser “oferecido”. Porque, verdade seja dita, as únicas pessoas que tiveram alguma hipótese de escolha foram as não-licenciadas, que puderam dar o seu parecer, relativamente à acção de formação que consideravam mais adequada; para os (três) licenciados presentes, a escolha foi óbvia: ou o programa Vida Ativa, ou o programa Vida Ativa.

Interessante, também, foi a dinâmica clara de polícia bom/polícia mau desempenhada, respectivamente, pela representante do Centro de Formação onde decorreu a sessão e pela representante (vejo pela carta que era, nada mais, nada menos, que a própria directora) do Centro de Emprego. A primeira demonstrou uma sensibilidade evidente perante tudo o que estava a ser exposto e, parece-me, gostou bastante do debate e demonstração clara de direito à opinião, numa sociedade que se diz democrática. A segunda, por outro lado, mostrou-se incomodada quando confrontada com a necessidade de justificar uma medida que, leitura minha, considera mais do que adequada e necessária. Aproveito, na eventualidade da senhora directora passar por aqui, para esclarecer que a expressão correcta é “muro das lamentações” e não “mar das lamentações”, e que se espera de uma psicóloga, com vinte anos de experiência no cargo, uma maior abertura para lidar com verdades inconvenientes e uma audiência descontente, e não uma postura agressiva, arrogante e digna de uma criança birrenta, que trata mal os outros quando não lhe fazem as vontades.

Considero a formação uma mais-valia para qualquer profissional mas parece-me pouco louvável utilizá-la para “tapar o sol com a peneira”, mais ainda por ter sérias dúvidas (reforçadas pela falta de coerência demonstrada pela representante do Centro de Emprego) acerca da sua adequação ao perfil profissional e necessidades formativas de cada pessoa. Para além disto, acho vergonhoso e uma absoluta perda de tempo este circo burocrático, dando ao desempregado a ilusão de escolha quando ela não existe, pois a formação promovida pelo IEFP é de carácter obrigatório para quem quer continuar a receber apoio do estado.

Gostava muito de pensar que não nos estamos a encaminhar para o cenário vivido há uns anos atrás, em que milhares de desempregados estavam devidamente camuflados em acções de formação, não sendo contabilizados para efeitos estatísticos. Com isto, ganhámos a falsa noção de segurança e de que as coisas não estavam assim tão más. Infelizmente, esgotados os fundos para formação, a única hipótese foi publicar os números reais (que, entenda-se, apenas contabilizam quem está inscrito nos Centros de Emprego, deixando de fora todos os que estão em situação precária ou ilegal), estilhaçando a ilusão de conforto do nosso cantinho à beira-mar.

Resta-me esperar por nova convocatória e, enquanto actualizo os blogs e envio candidaturas, alimentar a esperança que (dada a fraca probabilidade de terem em conta as áreas de formação que considerei fundamentais, para o meu desenvolvimento profissional) me venham a propor uma formação em pastelaria ou algo do género, quem sabe o meu futuro não reside nas delícias açucaradas.

{Dúvidas? Sugestões? Fiquem à vontade para se fazerem ouvir nos comentários!}

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